– Mãe, pra que isso?
– Vou pra manifestação, filhota. Vamos lutar pelo Brasil. O povo precisa ser respeitado.
– Ih, quem não te conhece que te compre.
– Ei, o que é isso, menina? Me respeite.
– Mãe, noutro dia, um grupo de trabalhadores do shopping fez uma manifestação aqui na rua. A senhora lembra? A senhora lembra o que me disse sobre aquele protesto?
– Tanta coisa pra pensar… E, além do mais, faz tanto tempo.
– Engraçado, né, mãe!? Foi no mês passado. Mas, a senhora chamou a manifestação de baderna. Eles estavam lutando por justiça, por punição para a morte de um inocente. Eu lembro que até um canal de TV divulgou que um grupo de pessoas estava obstruindo o trânsito na área. O repórter caracterizou tudo como baderna, delinquência, sem nem apurar os fatos. Dizia que a rua foi obstruída, os clientes do shopping não podiam passar, os lucros do dia foram baixos, a economia sofreu com isso. Em nenhum momento, o repórter mencionou que aquelas pessoas protestavam por justiça, porque um inocente que chegava para trabalhar foi atropelado por um dos clientes ansiosos por satisfazer o seu consumismo, talvez para comprar um sanduíche naquela lanchonete famosa que fica dentro do shopping.
– Minha filha, e não foi isso mesmo que aconteceu? Uma cliente daqui, da loja, quase não conseguiu estacionar. E eu quase perdi de lucrar naquele dia.
– Mãe, a senhora se preocupa mais com o lucro do que com a vida de um indivíduo que faz parte do mesmo povo pelo qual, há pouco, a senhora dizia lutar.
– Meu amor, desculpe, mas o que tem a ver a morte daquele pobre rapaz com a minha manifestação? Aquilo foi acidente. Só um acidente. Quem pode prever quando acidentes acontecerão?
– Mãe, engraçado, a manifestação do pobre é vista como baderna, vandalismo, coisa de marginal, mesmo quando defende a vida de alguém. Agora, mãe, essa classe que não faz média para defender seus privilégios diz que luta por democracia. Diz que luta para o filho do pobre ter o mesmo direito que o filho do rico. Ai, ai, ai… Mãe, essa manifestação já vem com pacote e tudo. E, dentro desse pacote, faz parte manter o privilégio dos ricos de nunca serem povo. A senhora, mãezinha, nunca quis ser povo, nunca quererá. A senhora vai se manifestar, na verdade, só para manter o povo sempre povo, sempre nada, sem direitos, para o povo ser mais povo, ou seja, mais pobre. É isto que a senhora quer.
– Me respeite. Eu sou sua mãe. Que agressividade!
– Tá bom, mãe. Vá lá pro seu carnaval fora de época. Divirta-se!
Amei saudades primo
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Obrigado pela visita ao blogue, José. Será sempre bem-vindo!
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Não sei se é comparável, mas lembrei-me das manifestações contra o Salvador Allende quando ele começou a assustar algumas classes.
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Espero, sinceramente, que não haja um Pinochet brasileiro.
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Acho que alguns brasileiros sofrem da síndrome d’o indivíduo odiento’: http://muriloguimaraes.com/2015/08/18/o-individuo-odiento/
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Não sei muito sobre as manifs que aconteceram. Só o que passa aqui em Portugal nas noticias, que como quase sempre só contam metade. Olhando a minha sensação é a mesma que aqui contas.
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A RTP divulgou imagens da manifestação deste domingo no Rio e a sua repórter generalizou que a população brasileira estava envolvida com aquela festa. Ela esqueceu-se de que descontentamento e posicionamento crítico ao governo não implicam um apoio a atitudes criminosas de grupos que muito querem assegurar privilégios. Eu perguntei-me se ainda componho essa população, pois não estou de acordo com aquela violência verbal, mas não apenas, disseminada por muitos dos manifestantes ali presentes (talvez manifestados).
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I wish I could read Portuguese well enough to fully understand the depth of your writing! But I caught the essence of it (google translate). You have a gift! Sending love, Kai x
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