Há pouco mais de cinco meses, eu habito neste endereço, uma cave num edifício velho, mas bem localizado no centro de Lisboa. Sou um estudante brasileiro em Portugal, concluindo parte da minha formação acadêmica. Recentemente, completei dois anos neste país, tempo suficiente para construir laços de amizade.
Entre os amigos conquistados está uma italiana que, às vésperas do Dia de São Martinho, inaugurava uma exposição de pinturas e desenhos. Como eu queria muito prestigiar o evento, passei todo o dia trabalhando em casa. À noite, um pouco atrasado, eu corria de um lado a outro a fim de aprontar-me o mais rápido possível.
Concluí parte do que fazia, desliguei o computador. Fui ao quarto, vesti a camisa e, enquanto eu buscava o casaco, o interfone tocou. Parei a minha busca e fui atendê-lo. Ouvi, do outro lado da linha, algumas vozes em diálogo.
_ Oi, disse.
_ Abre a porta, uma voz masculina ordenou.
_ A porta? Quem é, por favor?
_ Aqui é Sérgio pá! Abre lá esta porta. Vim para a reunião dos alveneiros, o pessoal da Associação.
_ Meu senhor, aqui é uma residência. Não é Associação, não.
_ Olha lá, seu aldrabão. Que não é Associação, o quê? Abre esta porta logo. Eu vim para a reunião.
_ Aldrabão?
_ Foi isto mesmo o que eu lhe disse, ele respondeu-me em tom jocoso.
Ouviam-se risadas vindas da calçada. Sem cuidado para não ser ouvido, o senhor falava para pessoas que provavelmente o acompanhavam: “O brasileiro não sabe que eu o insultei”. Riam. “Falam Português muito mal pá!”, alguém proferiu.
_ Abre esta porta pá, ele insistiu, enquanto os risos continuavam.
_ Meu senhor, para a Associação, utilize o interfone do lado contrário e não seja acintoso.
_ Do lado contrário? Que história é esta? Eu estou é a apertar a campainha certa.
_ Eu já lhe disse: o outro interfone.
_ Aldrabão.
_ Vivaldino.
_ Olha lá pá. Olha este gajo.
_ Tenha uma boa noite, disse isto e devolvi o interfone ao seu lugar.
Voltei ao quarto e logo encontrei o casaco. Pu-lo enquanto abria a porta. Alcancei a rua. Já não havia ninguém. Teria sido um fantasma? Estava seguro de que não.
Escutei uma voz com sotaque arrastado. Olhei para o meu lado direito e percebi que era uma vizinha. Ela estava à janela, fumando, e confessou-me que se sentia afrontada, pois aquele indivíduo desaforado que usava o meu interfone aproximou-se dela e perguntou-lhe se ela não lhe queria vender o apartamento. Com brevidade, contei-lhe o que me havia ocorrido. Em meio a risos, ela exclamou:
_ Aquele lá é um chanfrado!
Eu, compartilhando do riso e da condição de ultrajado, acompanhei-a, perguntando ironicamente:
_ Será que querem transformar todo o edifício em sede da Associação?
Unimos os nossos risos em uma gargalhada sonora. Depois do regozijo dos afrontados, dirigi-me ao meu compromisso com a esperança de lá não encontrar alguém que se sentisse dono do espaço e da língua.
Os gajos da Associação são cheios de si. Um dia, explodem-se.
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A gente ri-se mas certos gajos mereciam outras coisas…
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