Bastou-me pôr os pés na calçada da padaria. Um indivíduo desconhecido interrompeu-me as passadas, pondo-se à minha frente. Surpreendido, parei para evitar o esbarro. Era um rapaz que me oferecia um panfleto com dizeres religiosos. “Não, obrigado”, recusei o panfleto e, enquanto eu tentava desviar dele e seguir para os meus pães, ele, insistente, manteve o braço estendido à minha frente, com o papelinho, e pronunciou qualquer coisa que eu não compreendi propriamente.
A gente fica velha e tem a sua audição comprometida. Eu estou nesta fase. Então, solicitei-lhe que repetisse o que havia dito. “É a palavra de Deus”, ele proferiu confiante. E eu, sem vacilo, respondi-lhe: “Não, obrigado.” Estava um pouco apressado. Ia à padaria e, em seguida, retornaria à casa para tomar café, antes de dirigir-me ao trabalho.
A minha rejeição àquele panfleto não deveria significar desrespeito à fé alheia. No entanto, eu percebi que aquele jovem rapaz não aceitava nem sequer entendia que eu não quisesse receber o que ele me oferecia de graça e com um sorriso na cara. Ele não apenas não captava a minha resposta, como também se sentia intimamente ultrajado. Não era esta a minha intenção. Eu só queria pão.
E por causa do pão
recusaste a salvação
🙂
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Agora eu quase me senti culpado. Deveria ter-me convertido? Risos.
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A normatização inquisitória de outrora volta à baila no século 21 de maneira compulsória: núcleo familiar é homem/mulher, só se aceita Jesus por meio das Igrejas Pentecostais, Islamofobia, Heteronormatividade, Negros/as, Mulheres, GLBT, Pobres não podem e por aí vai… um trem desgovernado de normas causando retrocessos históricos no mundo todo.
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O meu medo é desse trem e dos retrocessos que pode causar.
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A segunda parte desta crônica agora deveria se chamar “O pão que o diabo amassou”. kkkkkk
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Você está-me dando uma ideia para uma outra história. 😀
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É como você diz: há quem prefira o pão, o singelo pão, assim como alguém quererá outras coisas. Porém, infelizmente, hoje, somos praticamente obrigados a engolir os discursos messiânicos, quando eles são exibidos na TV em horários nobres, quando são praticados em órgãos públicos representantes de um suposto Estado Laico, quando nos são jogados na cara no ônibus e em espaços públicos. Eu só gostaria de que todos nós tivéssemos o direito de escolher o alimento compensador, sem correr o risco de ofender e de ser ofendido ou até agredido.
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Cada um alimenta-se com aquilo que considera mais compensador. Há quem prefira discursos messiânicos restritivos. Há quem prefira um singelo pão, para ajudar na meditação sobre como trabalhar por uma vida mais transcendente. Parabéns pelo texto!!
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Certa vez , estava no ônibus e eu desses rapazes veio entregando esses papéis para as pessoas. Reparei que Todas receberam , eu recusei. algumas começaram a ler e nem chegaram ao final.
Noutra vez umas senhoras bateram na porta de casa. Estava ocupado. Demorei. Dai , uma exclamou uns versos e saíram…
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Para além do importuno, causam mais poluição do que qualquer coisa. Como você observou, muitos dos santinhos não chegam a ser lidos e, por isto ou outro motivo, são jogados na rua ou, quando muito, na lixeira. Ninguém é obrigado a aceitar. Mas, hoje em dia, se recusamos, somos quase agredidos pelos “capangas” do pastor.
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