_ Boa tarde, senhor.
_ Boa tarde. Em que posso ajudar?
_ Eu estive aqui ontem à tarde.
_ Sim. Diga.
_ Eu comprei duas lâmpadas ao senhor.
_ Pois sim. Em que posso ajudá-lo hoje?
_ Eu voltei aqui, porque uma das lâmpadas já queimou.
_ Lâmpadas são assim mesmo. Algumas duram um ano, dez anos. Não há como saber o tempo de vida de uma lâmpada.
_ Compreendo. Mas a minha durou menos de um dia.
_ Acontece.
_ Eu sei, mas um dia de vida… o senhor não acha pouco? Principalmente para uma lâmpada que me custou €7.00?
_ Pois é isto que eu estou a dizer: não tenho como garantir a longevidade de uma lâmpada.
_ Eu compreendo, meu senhor, mas um dia de vida… Na verdade, menos de um dia. O senhor não acha que é uma vida muito curta?
_ Há lâmpadas que ficam aí uns tantos anos, e outras… Estou a dizer que não se tem como saber o tempo de duração de uma lâmpada.
_ E agora? Eu vou ficar às escuras?
_ Há um tipo ali mais económico, mas vai custar-lhe mais caro.
_ Econômico? Mais caro?
_ É a única que tenho hoje. Aquela que o menino levou ontem já não há mais.
_ Mas eu tenho de pagar mais uma vez?
_ Pois.
_ Oxente. Então, eu perdi meu dinheiro, foi?
_ Cá, em Portugal, lâmpada não possui garantia.
_ Estou com medo de comprá-la e amanhã ter de voltar aqui de novo. No Brasil, eu sei que eu teria uma mínima garantia.
_ Hummm… No Brasil, parece-me que tudo pode. Aqui não é Brasil. Aqui as coisas são diferentes.
_ Oh, meu senhor, compreenda-me, por favor. Eu não posso adquirir um produto sem um mínimo de garantia de que ele funcione.
_ Pois.
_ Mas tu me entendes que eu não posso gastar €7.00 num dia e, no outro, retornar para gastar mais €7.00, no caso de a lâmpada estar avariada?
_ Tu? Que “tu” o quê?
_ Desculpe-me. Eu não tinha intenção de… O senhor prefere “você”?
_ Então, o sujeito entra na minha loja e pensa que lhe dei liberdades, foi? Quem é que tu pensas que é para me tratar com intimidade?
_ Desculpe-me. No Brasil, “você” não significa desrespeito. É um pronome de tratamento comum. E “tu” não é comum, mas há quem o use. Aqui é que eu nunca sei que pronome usar. Uma vez, uma colega pediu para não ser tratada por você.
_ Olha cá, oh, menino. Aqui não é Brasil. Então, o menino vai-me comprar a lâmpada ou vai ficar de chatices? E mais: não sou professor de Português.
_ Desculpe-me, mas eu sou.
_ E é? O menino é professor de Português?
_ Sim, senhor. Agora, por favor, diga-me como prefere ser tratado.
_ Mas veja lá. Agora, o menino está a troçar. E o que o menino faz aqui em Portugal?
_ Doutoramento.
_ Onde?
_ Coimbra.
_ Mas me parece que ainda tem muito a aprender. Ah, e inclusivamente da nossa língua para evitar tanta calinada.
_ Sempre temos o que aprender.
_ Então, veja lá: eu tirei o meu curso em Coimbra. Seria respeitoso tratar-me por Doutor.
_ Ah, sim, agora faz todo o sentido. Em Coimbra, todo mundo é Doutor.
_ Olha cá, menino. Hoje não estou p’ra chatices. Diga-me lá: afinal, o Doutor vai querer a lâmpada ou não?
_ Pode me chamar de Cássio.
_ Ah, mas o menino não é professor e cursa um doutoramento numa das instituições mais tradicionais da Europa?
_ Sim, mas é porque eu tenho nome próprio. Digo: prefiro o nome aos títulos.
_ Então, Senhor Nome Próprio, vai querer a lâmpada?
_ Mas, Senhor Doutor, se eu comprar outra lâmpada e esta queimar de novo?
_ Olhe. Eu não vou estar aqui a virar o disco e a tocar o mesmo. Lâmpada não tem garantia. Que chatice do caraças!
_ Eu já vi que aqui consumidor não tem direito, não, né?!
_ Estou-me nas tintas p’ra isso, pá.
lindo 🙂 cheio de humor, do titulo até ao fim
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Obrigado, Luis. Apesar de tencionar tratar coisas sérias com humor, – o que nem sempre consigo fazer -, neste “O lesado da lâmpada” eu tive receio de mexer com os brios de alguns, pois veja que, infelizmente, o caso d’os Lesados do BES ainda se encontra sem solução.
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