“Quem pode parar a dor?” foi uma resposta incisiva dada pela escritora porto-riquenha Yolanda Arroyo Pizarro a uma pessoa que estava na plateia. Era uma mesa-redonda num congresso de escritoras africanas em Acra, Gana, em maio de 2013. Após a explanação de cada escritora que compunha a mesa, uma jovem ganesa – também escritora – solicitou a palavra, questionou por que mulheres escritoras africanas e da diáspora narravam histórias de sofrimento e dor e, por fim, recebeu aquela resposta de Pizarro.
A intervenção de ambas as escritoras gerou muitos posicionamentos por parte de outras participantes. Em um momento, o debate parecia encaminhar-se para corroborar a constante presença da dor nas narrativas de escritoras africanas e a urgência de expressá-la.
No entanto, apesar de sermos conscientes da capacidade de a literatura expressar muitos sentimentos para além da dor, quando Pizarro lançou aquela questão, referia-se às dores causadas durante anos, décadas, séculos de infortúnios impostos ao continente africano por parte de empresas colonizadoras europeias, mas não apenas. A escritora porto-riquenha aludia especialmente aos sofrimentos infligidos às mulheres, especialmente negras, por meio de vários sistemas de dominação.
Depois de um intenso debate, Pizarro retomou a palavra e acrescentou à sua resposta inicial a célebre frase da escritora Audre Lorde: “O silêncio não te protege”. Se as dores existem em decorrência de acontecimentos passados sobre o indivíduo ou uma coletividade, a recordação e a expressão das feridas psíquicas abertas podem ser os primeiros e talvez mais importantes meios de começar o processo de cura.
Logo, se sabemos que o silêncio não nos protege, somente nós podemos parar ou mitigar as nossas dores. Se a escrita oferece um momento de intervenção e a possibilidade de construir alianças de solidariedade, como diz Yvonne Vera, em seu prefácio à coletânea Opening Spaces: Contemporary African Women’s Writing, a literatura, portanto, pode tornar-se num remédio e numa arma para resistir, transformar, libertar(-se) das dores do passado e evitar um futuro flagelado por injustiças históricas.
Notas:
1. Para conhecer o trabalho literário de Yolanda Arroyo Pizarro, visite o seguinte endereço: «http://narrativadeyolanda.blogspot.pt/».
2. O congresso de mulheres escritoras africanas e da diáspora a que me refiro é o Yari Yari NTOASO: Continuing the Dialogue, que aconteceu em Acra, Gana, de 16 a 19 de maio de 2013.
3. Vera, Yvonne (Ed.). Opening Spaces: Contemporary African Women’s Writing. Harare, Zimbabwe: Baobab Books, 1999.
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O texto está perfeito. A reflexão é relevante para todas as populações vítimas de recursos históricos violentos. Hoje mesmo, pensava sobre os indígenas brasileiros e a sua ainda pequena apropriação dos meios culturais. Quem poderá parar e, acima de tudo, expressar está dor?! Parabéns pelo belo texto!
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Verdade: é um problema que afeta muitas populações, assim como os segmentos subalternos de uma mesma população. Mas, acho que os próprios índios encontrarão meios para mudar essa realidade. Acredito que quem poderá fazer muito neste sentido serão os intelectuais indígenas que estão se formando nas universidades brasileiras. Há muito a se fazer, mas não percamos a esperança.
Contente que gostou do texto. 😀
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É uma pergunta difícil…além do mais o silêncio nos protege da dor, dores. Nao podemos para-la, mas por vezes a silenciamos….até mesmo para nos esconder/proteger da(s) dor(es).
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Eu compreendo o seu ponto de vista, Jean. Mas, se cremos que é no silêncio que está a proteção, até que ponto temos controle sobre o silêncio? Até quando o silêncio pode ser mantido? Ou quando pode ser quebrado?
Eu compreendo que alguém recuse falar sobre as suas dores, mas, se essas dores foram causadas por alguém ou por uma sociedade, você não acha que esse silêncio possa ser uma ilusão?
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