_ Oi, tudo bem?
_ Mais ou menos.
_ Problemas familiares?
_ Ah, não é isso. Aqui, em casa, estamos bem. O problema é no trabalho.
_ O que tem acontecido?
_ O que tem de coxinha trabalhando comigo… você nem acredita. No meu setor, é cheio.
_ Aff… E como tem sido o convívio nestes últimos dias?
_ Tenso, muito tenso. Alguns são agressivos, insultam mesmo quem não é de esquerda e quem mantém uma sensatez ao comentar os acontecimentos políticos recentes, discordando do fascismo que está em voga.
_ Que bom que há pessoas de direita ou que se dizem apartidárias com quem você pode conversar.
_ Eu digo o mesmo, mas parece que estas são exceções, pois a maioria é de uma direita agressiva. Falam como se a corrupção tivesse surgido no Brasil a partir de 1.º de janeiro de 2003.
_ Agem assim, mesmo depois da divulgação dessas listas ligadas a empresas que subornavam políticos em troca de benefícios? A maioria dos políticos envolvidos é de direita. Você sabe disto, né?
_ Eu sei, mas eles talvez não.
_ E o escândalo de empresas fantasmas usadas para lavagem de dinheiro no exterior? Algo chamado de Panamá qualquer coisa. Os coxinhas não se informam?
_ Até parece. Eles se informam de modo enviesado. Além do mais, na TV não passa nada.
_ Tudo bem, mas, hoje, nós não dependemos deste ou daquele canal de TV para saber das coisas, né?
_ Concordo, mas os coxinhas do escritório se informam pelos memes de sites fascistas. Eles só compartilham isso ou memes religiosos nas redes sociais.
_ Memes religiosos?
_ Sim, deve ser pra aliviar a consciência de tanto ódio que eles estimulam com os memes fascistas.
_ Uau. A coisa está tensa.
_ E como está! Noutro dia um me chamou de mortadela.
_ Mortadela? Não entendi. Pensava que era esquerda-caviar.
_ Mudou. Depois de um protesto que uns coxinhas fizeram em São Paulo e lhes foi servido filé-mignon bancado por uma empresa que até ligação com a ditadura teve. Acho eu que foi a partir daí que passaram a usar “mortadela” para se referir a quem é de esquerda ou a qualquer um que não seja fascista.
_ Eu prefiro mortadela a caviar.
_ Pare de palhaçada. A coisa é séria. Acredita que um deputado de direita distribuiu pão com mortadela em uma sessão no Congresso?
_ Eu li sobre isso. E aquele ex-Presidente que se considera o intelectual dos intelectuais insultou professores e fez declarações bem classistas noutro dia. Chegou a dizer que os eleitores de esquerda eram pobres e desinformados. Os coxinhas devem usar a palavra “mortadela” com conotação de classe social. Não acha?
_ Pode ter certeza.
_ Agora, se esse deputado besta me desse um sanduíche de mortadela, eu talvez aceitasse, mas eu nunca votaria nele. Que cabra besta! Será que ele acha que só gente rica votou nele?
_ Seria bom que os eleitores desse deputado-coxinha soubessem o que ele anda fazendo com um dos sanduíches mais populares dos brasileiros.
_ É verdade. Seria muito bom que os eleitores dessem uma resposta já nas eleições municipais deste ano.
_ Seria muito bom que as pessoas votassem em prefeitos e vereadores de esquerda.
_ Estou aqui rindo, porque falamos ora de política ora de comida.
_ Seria engraçado, se não fosse triste, porque, antes, eu até gostava de comer coxinha.
_ E deixou de comer? Coxinha é tão barata. E a gente encontra em qualquer esquina.
_ Você tem razão: hoje, mais do que nunca, há coxinha em qualquer esquina.
_ Sim, mas também era um salgadinho barato.
_ Sim, mas hoje eu evito qualquer coisa que possa prejudicar a minha saúde. Coxinha deixa o meu colesterol alto e me provoca azia e gases.
_ Melhor evitar.
_ Eu corro léguas desse tipo de comida, inclusive de mortadela.
_ Sério?
_ Sim. Eu posso ser mortadela, mas não preciso comer mortadela.
_ Já eu… eu adoro mortadela. Amo um pão d’água bem quentinho, com manteiga e cheio de mortadela. Chega salivei agora!
_ Aff… Haja colesterol!
_ É isso: cada um com os seus gostos culinários. Ninguém é obrigado a compartilhar gostos e opiniões políticas, mas temos de respeitar uns aos outros. Concorda?
_ Claro. Respeito é a palavra-chave para civilidade e cidadania.
_ Oh, será que os coxinhas pensam que só eles podem comer coisas de qualidade. Ao menos, essas disparidades reduziram um pouco nesses últimos anos. Acho que eles têm raiva disto: de saber que muitos mortadelas comem melhor do que antes e não lhes pedem esmolas.
_ Verdade.
_ Olhe, adorei falar com você. Esta conversa me abriu o apetite.
_ Ah, só você, seu gaiato. Estamos falando de coisas sérias.
_ Eu sei, mas preciso ir comer algo. Depois falamos mais.
_ Tudo bem. Ligue mais vezes e, quando puder, apareça por aqui. Estou com saudades.
_ Pode deixar. Beijos.