_ Hey, psiu.
_ Psssiiiiiiiiuuuuuuuu.
_ Psiu.
_ Hey, meninos, silêncio, por favor.
_ Hey, vocês que aí conversam na sala de estudo reservado, à porta aberta, poderiam…?
_ Hey, garotos, garotos, escutem aqui, por favor.
_ Hey, rapazitos, assim não dá pá.
_ Hey, caralho, vê se tu fazes silêncio, porra.
_ Hey, oh, menino surdo, moco, sem ouvido, puta que pariu.
_ Hey, porra, fala baixo, caralho.
_ Psiu, hey, psiu, hey…
Foram tantos os usuários da biblioteca a sentirem-se incomodados. Foram tantos os psius. É claro que não escutei as palavras de baixo calão. Mas não minto: eu bem tive vontade de proferir uma colecção de tabuísmo. Talvez tivessem sido mais eficientes.
Eu bem sei que, em Portugal, um psiu em público pode ser motivo de afronta para alguém. Entretanto, durante os meses em que tenho frequentado a Biblioteca da Faculdade de Letras, por vezes, o psiu é o alerta mais comum e mais eficiente, se considerarmos a rapidez como é compreendido pelos destinatários, os frequentadores que, porventura, ficam a conversar, em vez de estudar.
Hoje à tarde, todavia, os psius pareciam não funcionar. Dois rapazes chegaram já a conversar em alto volume. Dirigiram-se a um sala de estudo reservado. Abriram a porta, entraram, sentaram, acomodaram-se… conversavam… conversavam…
E a porta? Aberta. E a biblioteca? Cheia. Em algum momento, uma chuva de psius. Os meninos, porém, pareciam bem protegidos. A porta aberta estava, mas eles deveriam estar protegidos por qualquer redoma.
_ Psiu, hey.
_ Falou comigo?, um dos meninos conversadores escutou e dirigiu-se a mim, uma vez que eu fui o último a psiuzar.
_ Sim. Desculpe-me, mas vocês estão conversando bem alto. Poderiam fechar a porta?
_ Por que não falaram connosco?, ele perguntou. Quando ele disse isto, eu compreendi que se sentiu ofendido com o tal psiu. Eu também me ofenderia, caso estivesse na rua ou num outro ambiente e alguém se dirigisse a mim com tal interjeição. Contudo, estávamos na biblioteca e qualquer utente daquela biblioteca não estranharia o tal som e entenderia que alguém havia sido desconcentrado, que alguém desconcentrava outrem com algum barulho ou com alguma interacção imprópria para o ambiente. Mas o menino era diferente: _ Por que não veio aqui pedir para falarmos baixo?
_ Nós estamos estudando, pedimos algumas vezes, mas não houve êxito algum. Agora, permita-me perguntar-lhe: vocês não se escutam? Vocês estão falando alto, muito alto. Fechem a porta, por favor.
O utente sentado à minha frente olhou para trás, cumprimentou-me. Acenei com a cabeça. A menina à minha frente sorriu timidamente. Outra mais à frente respirou aliviada. Eu respirei, corrigi a minha postura, reabri o livro, mas antes dei uma olhadela de lado e percebi que o menino conversador me fitava pela parte de vidro da sua sala reservada. Mirei-lhe os olhos e levei o dedo em direcção à minha boca. Silêncio é o básico que se pede a um utente de biblioteca.
Ótimo o texto! Este psiu poderia ter desencadeado uma discussão enorme nesta biblioteca, com uma enorme chuva de psius por todos os lados 😀
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Poderia, sim, Murilo. Acho até que deveria, pois os rapazes conversadores estavam fora de controle. 😀
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Reblogged this on O LADO ESCURO DA LUA.
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Cássio, nunca me apercebi que o psiu tem uma conotação tão negativa como referiste.
Senti este texto como especialmente delicioso porque, dos vários serviços em que passei na autarquia, também constou uma biblioteca, até há cerca de três anos.
Apesar de ter trabalhado no back office, apercebia-me da dificuldade em controlar o ruído de certos públicos.
Para além disso, sou frequentadora assídua de bibliotecas, onde requisito boa parte dos livros que leio, e sei que não é fácil manter um nível razoável de convivência.
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Isabel, uma vez, ocorreu-me de usar o psiu numa loja aqui, em Lisboa. Então, alertaram-me sobre o tal efeito negativo da interjeição. Disseram-me que psiu só para cachorros. Desde esse dia, evito: não quero entrar sarilhos. hehehe…
Também gosto de frequentar bibliotecas para ler e, por vezes, observar o comportamento alheio.
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Cássio, sou portuguesa e sempre vivi em Portugal, e nunca me apercebi de tal efeito negativo desde que a interjeição não seja proferida com violência.
Será que pelo sotaque, que presumo que tenhas, se aperceberam que não és de cá e que tivessem ‘brincado’?
Ainda bem que me avisaste de tal coisa. 🙂
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É possível que o meu sotaque nordestino-brasileiro suscite outros efeitos e que interfira na interlocução, sim, Isabel. Entretanto, é bom saber de outras percepções do uso. Assim, serei cauteloso a ‘psiuzar’ por aí. 😀
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Na verdade, disseram-me que psiu só deveria ser usado para animais. Eu escrevi cachorros, mas aludiram a animais de outras espécies também.
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