No domingo passado, eu passava pela Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII. Caminhava entre as tendas das editoras, o olho corria rápido entre um e outro mostruário, umas capas prendem a minha atenção, aproximei-me e apanhei um livro de capa dura, bonito, papel fotográfico. Era uma reedição de um grande escritor português. Fetiche de bibliófilo. Prazer.
Tomei o livro entre as minhas mãos, admirei-o, senti-o. Comentei que me alegrava imensamente o facto de terem publicado o tal autor e a tal obra, que bem mereciam edição tão bem cuidada. Abri o livro. Decepção.
_ Mas o que é isto?, falei ao @RGMurilo, que estava comigo na hora.
_ O que foi? Não gostou do livro?, Murilo perguntou.
_ Da capa, mas não se compra um livro só pela capa, né?!
_ Olhe, é um título famoso. E a edição parece especial, como você já observou.
_ Sim, mas veja o recheio. _ eu disse isto, já abrindo o livro, folheando a ponto de ele perceber a “furada em que um leitor se meteria”.
_ Uau.
_ Uau mesmo! Como se pode gastar tanto papel, um papel especial, capa dura com excelente ilustração, para isto?
_ Provavelmente para facilitar a vida de leitor de Facebook! _ arrematou Murilo. _ Um livro com citações de trechos da obra original ajuda aqueles que necessitam de frases célebres para os perfis de Facebook e Twitter.
O diálogo aqui apresentado intentei transcrevê-lo o mais próximo possível do que aconteceu, embora não o tenha logrado; eu sei disto. Entretanto, achei bem inteligente a ideia do Murilo: livros em tempos de Facebook, a fim de tornar fácil a vida de quem precisa de poucos caracteres para alimentar a timeline.
Imagine, então, que um escritor já não pense em escrever um livro de contos, um romance ou de quaisquer outros géneros literários, mas, sim, um livro de frases para Facebook. Pode até embonecá-lo com diferentes emoticons. Afinal, o mercado editorial está a ajustar-se aos novos canais de leitura, escrita e interacção.
😛 ❤ 😀 ❤ 😉
Cássio, fizeste-me pensar bastante, o que deu um jeitaço para me distrair daquela tarefa chata que é engomar roupa. 🙂
Primeiro, fiquei com a dúvida se esse livro tem produção própria para ser utilizada no fb ou se se trata de uma compilação de frases ´célebres’ escritas por outros.
De qualquer modo, não me interessaria por tal livro porque o fb tem uma linha de desgaste rápido que não me é apetecível… julgo já te ter expressado a minha opinião.
Mas o teu texto fez-me dar um salto para outro lado e por isso gostei mais de te ler.
Julgo que tens conhecimento de bloggers que editam livros com base numa selecção de posts, a qual, por vezes, é a própria editora a fazer. O que pensas disto?
Há resultados bons e outros nem tanto.
E até te lanço esta questão porque antes do blogue fiz qualquer coisa em livros. 🙂 E o registo do último até anda muito próximo dos textos mais intimistas de lá…
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Isabel, fiquei contente por saber que te ajudei a enfrentar a tal tarefa chata.😀
Quanto ao livro, ele não foi produzido para FB, mas foi uma maneira ágil que Murilo encontrou de caracterizar o que constávamos. E, aí, eu achei giramente perturbador pensar que o mercado editorial poderia estar a investir num novo nicho de escritores e leitores: “os de Facebook”, cujo interesse maior não seria apreciar uma narrativa literária completa, mas capturar frases para preencher as suas linhas do tempo em Fb, Twitter e outras redes, de modo a mantê-las sempre movimentadas. Sei que tudo parece exagero, e até o é, mas só estou a ponderar sobre a prospectiva existência dos tais escritores e leitores. Caio um pouco na estereotipia, eu sei disto: que é um modo arriscado de analisar algumas formas de lidar com a escrita nos dias de hoje.
O livro que encontrei era um resumo de uma obra da literatura portuguesa, mas, desavisado, apanhei-o pensando que seria o original. Quando abri, encontrei somente frases soltas. Felizmente, não o adquiri.
Isabel, sendo sincero, eu não tenho opinião formado sobre esses tipos de blogue. Na verdade, não sei se estou a entender bem, pois logo me lembrei de um blogue cujas postagens eram de um diário de Saramago. Seria deste tipo de que falas? Agradeceria se me pudesses indicar algum endereço deste tipo de blogue para conhecer melhor.
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Ah, sim, já entendi.
Cássio, pensei logo neste livro, em cujo lançamento estive: https://www.wook.pt/livro/ana-de-amsterdam-ana-cassia-rebelo/16067475
Há muito que sigo o blogue e tive curiosidade. Neste caso, e pelo que apurei, foi a editora que lhe apresentou a proposta de fazer um livro a partir do que postava.
E o blogue é: http://ana-de-amsterdam.blogspot.pt/
O livro apresenta a compilação de um conjunto de posts.
É o exemplo que conheço mais de perto.
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Obrigado, Isabel. Noutro dia, vi rapidamente algo sobre esse blogue, mas confesso que não o conheço. Vou visitá-lo.
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Ah, volto para dizer que soube de outros escritores que haviam publicado o primeiro livro a partir de postagens em blogues de autor. Há dois dias, li uma entrevista de Afonso Cruz, que dizia ter sido este o seu caso.
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Isabel, dá-me o título do teu livro, ao que te referiste aqui, por favor.
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Cássio, não referi o título do livro, e o que mencionei foi com contenção, porque não pretendo de modo nenhum que se entenda como vaidade ou publicitação. Foi só isso.
Mas teria de passar pelo assunto porque já me questionei se no futuro não poderei dar uma volta do género de que te falei, à semelhança de outros bloggers.
Aqui, estava a referir-me a “Inquietude”, edição de autor. Não o encontras com facilidade, pois, não está nas livrarias das grandes cidades.
Participei noutro, como co-autora.
Tenho todo o gosto em oferecer-tos. Caso haja interesse da tua parte, envia-me um endereço para isabelvcpires@gmail.com
Neste momento não posso prometer-te ser célere no envio… Uns dias… Coisas do Verão! 🙂
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Isabel, não compreendi como vaidade e publicitação. Eu fiquei curioso por saber do título. Assumo, então, a responsabilidade pela publicitação e assumo também a vaidade. 😁 😉
Por fim, percebo que não apresentei a minha opinião sobre tais livros frutos de blogues de autor. Sinceramente, pensando nos obstáculos que muitas escritoras e escritores enfrentam para aceder ao mercado editorial, considero blogues um importante canal de criação e de divulgação. E, se daí saem livros, olha que é muito giro. 😎 Vamos ponderar sobre tais possibilidades. 😀
Quanto ao e-mail, vou enviar-te uma mensagem amanhã e, quando puderes, envia-mo. Agradeço-te imensamente.
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Reblogged this on O LADO ESCURO DA LUA.
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Anísio, muito obrigado pela visita e por reblogar o texto. Abraços.
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Sinal do Fim dos Tempos ou dos Novos Tempos? Já não sei mais para onde a superficialidade do mundo vai nos levar. A transformação do mundo numa # (hashtag).
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Marcos, não penso que seja fim dos tempos, mas concordo que é nada menos que intrigante o modo como algumas práticas sociais têm sido “forjadas” pelas novas (mas não tão novas) redes sociais. Muito do contacto interpessoal, dos movimentos políticos, de outros aspectos das nossas vidas estão influenciados pelo fetiche dos “laiques”, das hashtags, das selfies na timeline, da rapidez com que timelines são alimentadas e evacuadas (Se é que o são!), pois, à medida que surgem abundantemente informações, essas mesmas informações parecem ser esquecidas.
Não obstante tudo isso, eu acredito ainda que haja espaço para a existência de diferentes formas de existência humana, inclusive de humanos que apreciam o contacto corpo a corpo, que valorizam também livros impressos, de narrativas completas, que habitam lugares fora do espaço cibernético. Ou seja, há lugar para nós neste mundo! 😀
Muito bom tê-lo por aqui. Saudades.
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Obrigado pela citação.
Fiquei aqui pensando: esta “moda” acaba por dificultar a vida dos bons escritores, não acha?
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Sim, concordo contigo, Murilo, e penso que dificulte a vida dos bons escritores e dos bons leitores.
Tu já imaginaste se entregas os originais de uma obra a uma editora e, depois, a editora anuncia o lançamento de um livro com frases retiradas do teu original? Aí, já seria o cúmulo e não haveria piada ou talvez só houvesse a piada. Sinceramente, eu fiquei frustrado ao abrir o livro com título já conhecido e encontrar apenas frases.
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