No consultório médico

Escutei o meu nome, levantei a cabeça e dirigi-me à sala indicada pela recepcionista. A médica esperava-me com a ficha de paciente em mãos. Cumprimentamo-nos rapidamente e eu logo me acomodei.

Sem perda de tempo, a médica passou a perguntas de praxe. Em poucos minutos, ela ficou sabendo das minhas dores de cabeça intensas e sentidas durante toda a minha adolescência, das minhas crises renais, das minhas hérnias, da minha fimose, da tensão alta de papai e de mamãe, da enxaqueca de papai, da artrose de mamãe, da coleção de cálculos renais do meu pai, da diabetes de algum tio, do AVC de outro…

A médica estava assustada. Sim, talvez estivesse assustada com aquilo que eu poderia ter herdado. Levantou-se, veio em minha direção, pôs o estetoscópio sobre o meu peito e orientou-me a respirar lentamente. Depois disto, com um martelo neurológico, testou os meus reflexos. Sinceramente, como dizem na Bahia, eu não amarrei mixaria de dor: doía nos joelhos, doía nas pantorrilhas, nas costas, nos braços…

Ela mostrou-se bem preocupada. Estranhava que um homem jovem como eu sentisse tantas dores no corpo. E, então, já de volta à sua cadeira, passou à sabatina:

_ Vou fazer-lhe algumas perguntas e quero que seja sincero.
_ Ok.
_ Primeiro, gostaria de saber sobre os seus hábitos alimentares. As dores musculares podem resultar do seu peso e da sua atividade profissional. Convenhamos que 90Kg para alguém com 1m68cm de altura não caem bem. E, como a sua atividade profissional exige que fique sentado por muito tempo, é bom tomar alguns cuidados, como…
_ Eu sei.
_ Então, como são as suas refeições?
_ Péssimas.
_ Alimenta-se em horários certos? O que come?
_ Não tenho hora certa para comer. Como estou fazendo o meu trabalho na universidade, geralmente perco a hora da cantina universitária e, aí, restam-me as lanchonetes. Então, muitas vezes, faço um lanche e, antes de ir pra casa, como um sanduíche.
_ E massa? Pizza, por exemplo?
_ Como a senhora acha que mantenho esta forma?
_ Entendi. E você bebe?
_ Bastante café. Quando possível, café com leite. Quando lembro, bebo água.
_ Muito café e pouca água não contribuem para o bom funcionamento dos rins. Você sabe disto?
_ Sei.
_ E bebida alcoólica? Você bebe?
_ Cerveja, quando está em promoção no supermercado.
_ Não é bom exagerar.
_ Dificilmente vou ao supermercado.
_ Para não ver as promoções?
_ É que o dinheiro dá nem pro básico.
_ Ah, tá. Entendo, então, que você bebe socialmente.
_ Exatamente.
_ E quanto a exercícios físicos? Não é bom ficar tanto tempo sentado, principalmente para quem apresenta problemas renais.
_ Eu levanto, sempre que preciso de mais café.
_ Já disse que tanto café não lhe faz bem.
_ Entendo, mas é dependência praticamente.
_ Bem, não lhe digo mais nada.
_ Vou tentar beber mais água.
_ Muito bem. E exercício físico? Você gosta de algum esporte?
_ Tênis.
_ Tênis?
_ Sim.
_ Um bom sinal. Pratica com frequência?
_ Quase todos os dias, nos intervalos do trabalho.
_ Todos os dias? Mas, se você passa o dia na universidade, trabalhando, onde pratica?
_ No computador. Baixei um jogo.
_ Ah, tá.

Ela fazia anotações numa folha que seria anexada à minha ficha. Na verdade, enquanto fazia perguntas e mais perguntas, foi enchendo uma, duas, três folhas com anotações sobre o meu estado de saúde.

_ Quando a doutora passar para a terceira folha, poderia chamar a ambulância?

Ela riu. Ao menos, era simpática. Não se demorou a recomendar uma bateria de exames. Assim que eu os tivesse preparados, deveria retornar. Eu saí do consultório rezando para ter mais alguns dias de vida.

Já se passaram uns sete anos!

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6 thoughts on “No consultório médico

  1. Cássio, é natural que já te tenhas apercebido pelos meus escritos que faço ginásio. Academia, na tua linguagem. 🙂
    Bom, também podias pensar que era coisa romanceada. 🙂 Não, faço de forma regular há quase dezassete anos.
    Iniciei na sequência de uma viagem grande e já há algum tempo havia indicações médicas para tal. Precisava de ganhar peso (sim, não me enganei, estava com valores mínimos), precisava de lutar contra o mau colesterol (é genético; é uma luta feroz; melhorei muito) e também existiam razões de nível psicológico.
    Tem sido um bem para mim.
    No início também sofri. Felizmente o gosto foi-se entranhando a ponto de, mais recentemente, às vezes ter necessidade de meter um travão.
    Actualmente pratico todas as modalidades, excepto ioga e step porque é muito tarde. E a minha rotina é diária. Só o domingo fica de fora. 🙂 Engraçado que para mim o pilates é do que gosto menos pelo facto de, em termos imediatos, ser menos desafiante.

    Como já se percebeu, gosto de actividade física em contexto de ginásio. (Às vezes também vamos correr para a rua ou temos aulas no exterior.)
    Mas há pessoas que preferem ao ar livre, até por contenção de despesas. Podes experimentar esta alternativa. A marcha, a corrida, a musculação nos parques que têm equipamentos específicos. Tens em Lisboa, na linha de Cascais…

    E já deu para perceber que te tratas bem. 🙂

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    1. Isabel, dezassete anos de actividades físicas é admirável. Congratulo-te pela disciplina e pela disponibilidade para o ginásio. De facto, a necessidade imediata, devido a questões de saúde, forma o gosto ou gostos. O pilates foi assim comigo; aludo ao gosto, mas a disciplina ainda estou por criá-la. Obrigado pela dica das marchas ao ar livre.

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  2. Cássio, gostei do humor do teu texto e da forma como escreveste.

    Agora vamos ao lado mais sério da questão.
    Assim de caras tens a idade e o acaso (há quem diga sorte) a jogarem a teu favor. O que fazes agora, e também o que não fazes, pode ter um impacto negativo no futuro, mas certamente seria pior se o fizesses aos cinquenta, por exemplo.
    Olha, eu não fui bafejada com essa sorte, apesar de ter hábitos opostos aos teus, o que levou a tomar cuidado muito cedo. Depois, acostumamo-nos a outras rotinas alimentares e de exercício e até se pode acabar por gostar como aconteceu comigo.
    Como em tudo, julgo que deve imperar o bom senso e não abusar da sorte.

    Por outro lado, penso que há médicos que estabelecem uma má relação com o doente e são pouco perspicazes. Não estou a dizer que foi esse o caso.
    Já me aconteceu abandonar uma consulta. A médica, por uma simples análise, sem pedir repetição, afirmava que eu sofria de insuficiência renal, o que é um problema muito grave. Até podia sofrer desse mal, mas o que não aceitei foi o amedrontar-te sem pedir mais exames complementares. Repeti e estava tudo bem… Foi um leucócito que lhe apeteceu brincar.

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    1. Isabel, de facto, os nossos actos de hoje (e de ontem também) influenciam o nosso presente e também o nosso futuro. Concordo contigo. E, encarando a probabilidade da aquisição de enfermidades por causa da herança genética, urge a cautela quanto a hábitos alimentares e de outra ordem. Ademais da componente genética, há outras condições peculiares ao estilo de vida de cada um. E tudo isto somado deve ser considerado para repensar o dia-a-dia com ambição de prolongar o tempo de vida e de torná-lo o mais aprazível possível.

      Daquela consulta médica até hoje, avalio positivamente mudanças que realizei no meu quotidiano, principalmente quanto aos hábitos alimentares. Apesar de nunca me ter preocupado muito com a minha forma, baixei cerca de 20Kg no Gana. Mas isto não se deve somente à alimentação. Deve-se também ao ténis, porque na época passei a aprender como jogar ténis. Continuo na fase principiante.

      Já em Portugal, assumo, porém, que relaxei um pouco, talvez bastante, com os doces portugueses acompanhados com vinho, com o restaurante japonês, delicioso, de sushi fresco e feito na hora, acolhedor e barato da Almirante Reis, com o restaurante chinês, acolhedor e barato em Alfama, com a cachupa da dona Francisca e do Nelson aqui perto de casa… 😀

      Entretanto, Isabel, o meu grande desafio é gostar de actividades físicas. Academia? Hummm… Em toda a minha vida, tentei academia de ginástica uma única vez. Na primeira semana, eu sofri; na segunda, eu compareci para cancelar. Depois que cheguei a Portugal, não mais fui ao ténis, pois aqui me pareceu caro e já não tinha a mesma rede do Gana. Ah, não me posso esquecer: em Lisboa comecei a fazer a pilates. Muito bom! Suspendi-o há alguns meses, sob a justifica do trabalho. Penso em voltar ao pilates, mas não será agora. 😦

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