Fragmento de Carinho*

Implorar afeto
é difícil aceitar.
Mas é corajoso.
Pela tarde inteira, implorei
por um abraço singelo,
uma migalha de sentimento.
Meu olhar só suplicava
de carinho um fragmento
que dos anseios me salvasse.
À tarde, implorei
e, por fim, um sorriso
recebi.

* Escrito em parceria com Illa Ramos.

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Entre solidões

Sob a benção da burguesia divina,
a minha razão está dominada.
Entre solidões e lutas palpáveis,
o meu coração dilacera-se
por um amor inimaginável.
Em plagas de calores
que influenciaram as minhas origens,
encontro uma ilha como companhia.
Será que sou Saraha?
Ou só um corsário,
vitimado por angústias identitárias,
a desperdiçar a flecha lançada?

Nunca me esqueça

Tenha-me, ao menos, na lembrança
como um presente de Iemanjá,
que, naquela noite estranhamente encantada,
me levou até você,
que na praia me esperava.

Esqueça-se nunca de mim,
nem que me tenha como nada.
Nada que lhe faça bater tão forte o coração,
a ponto de, até mim, mover-se
para beijar-me a testa,
antes de dormir.

Sei do seu cansaço,
dos seus objetivos
sempre maiores,
mas apenas lhe peço:
esqueça-me nunca.

Naquela noite,
a brisa jogava-me aos seus braços,
enlaçando-nos num terno amasso.
E, assim, por todos os tatos
em nossas almas digitalizados,
eu de você nunca me esquecerei.

ele delas

ele aprendeu a amar (d)elas
ele aprendeu a se amarrar nelas
aprendeu o amor delas
e encontrou uma Dela para amar
uma Dela pra ser dele
ele passou a ser Dela
e Dela dele
Dela era bela
a bela Dela dele
mas ele aprendeu a amar elas
e assim esqueceu Dela
quando achou outra bela
que também foi preterida
quando ele topou outra
que não era locução adjetiva
essa era substantivo
nome próprio
com canudo e gabarito
se antes alguém disse elas dele,
passou a dizer ele delas
e agora diz ele e ela
ele foi obrigado a viver só com essa
a deixar delas belas
a não pensar em belas delas
antes não conseguia esquecê-las
agora ele só se lembra dessa
ele aprendeu o amor delas
aprendeu a se amar nelas
encontrou outra ela
jogou o canudo no lixo
preferiu uma que bebe no gargalo
e agora só vive nela.

Tecendo nós dois

Com cara de bobo,
olho a tela do computador,
esperando as suas palavras,
como se lhe admirasse
o rosto meigo bem próximo a mim,
como se lhe olhasse a boca
na expectativa de respirar
cada palavra proferida por você.

E você
só pronuncia amor e sentimentos nobres,
emudecendo os meus lábios falantes,
paralisando as minhas mãos inquietas,
compassando o meu coração disparado.

E as palavras
atravessando a tela,
entrando em mim,
tecendo nós dois.

Abra o seu armário!

Entre no seu armário,
feche as portas,
avalie o que há dentro:
trajes novos da estação passada,
peças velhas jamais usadas,
enxoval que não veste
nem o corpo nem a alma.

Abra o seu armário
para outras vidas,
para a diversidade,
para você.
Conheça os outros
e a si mesmo,
conceitue,
conceitue-se.

Depois disso,
você conseguirá,
– é possível -,
abrir as portas da sua vida
para ser bem-aventurado
ou até conscientemente belisário.

Meus melhores amantes

Meus melhores amantes, meus amigos.
Com uns seria ousado.
Com outros, conturbado.
Do distanciamento, da inimizade…
do arrebatamento das primeiras paixões,
do gozo precoce desperdiçado e desperdiçando,
todos a correr o risco.
Meus amigos, meus melhores amantes.
Nem sabem o quanto os desejo!