Quarentena: nota três

#FiqueEmCasa tem sido nestes dias de pandemia a “hashtag” mais popular, mas converte-se em algo muito maior do que uma “hashtag”. Parece uma ação de guerra, de ataque, de sobrevivência e de salvação. Mas quem será atacado? Quem será salvo? PERIGO! PERIGO?

#FiqueEmCasa simboliza os esforços das autoridades políticas e sanitárias para evitar a propagação de um vírus altamente transmissível e danoso ao sistema imunológico dos seres humanos, indivíduos em sua maioria política e economicamente cada vez mais fragilizados ou até impotentes, e do grande deus-satanás, o Mercado, um espectro, um sujeito omnipresente.

Mas quem será salvo primeiro? E quem (não) será salvo?

Segundo os bitaiteiros neoliberais de plantão, o jeito é salvar o Mercado primeiro e, depois, alguns indivíduos para suarem o suficiente a fim de proteger as fortunas daqueles que estão bem protegidos sob as asas do deus-monstro.

#FiqueEmCasa, mas, quando você não está debaixo das asas do Mercado, PERIGO!

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Quarentena: nota um

Alguém se tem esquecido de banhar-se tanto quanto eu durante esta quarentena? Estava com tanta vontade de tomar banho na última quarta-feira, mas acho que me esqueci de fazê-lo.

Dei-me conta da falta de banho a meio de uma aula. Estou a participar em um curso online. Ainda bem que a sala de aula é virtual, pois, só assim, o professor e os outros alunos não conseguem sentir-me o cheiro.

Às 20h, os colegas começaram a despedir-se. Uma colega disse “até à segunda!” Segunda? Que estranho! Se estávamos a meio da semana, — pensei —, por que razão não teríamos aula na sexta-feira?

Era já sexta-feira, quando me dei por isso tudo. Estava tão cansado e perturbado, que dormi a perguntar-me quando tomara banho.

Sábado, acordei sujo, mas seguro de que a vida tinha de tomar um novo rumo. Era 25 de Abril. Pus-me todo limpinho, com energias renovadas. Mesmo impedido de ir à avenida, nutri as boas memórias.

Como todo 25 de Abril, eu queria vivê-lo à grande! O peito cheio de ganas de descer a Liberdade, com o cravo no peito, a cantar “Grândola, Vila Morena”, que me eriça os pêlos dos pés à cabeça, sempre a ansiar por igualdade, fraternidade e oportunidade para, com segurança, viver os versos de Zeca Afonso: “O povo é quem mais ordena/Dentro de ti, ó cidade”.