Cássio Serafim

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encontro às cegas

Encontro às cegas

2 02+01:00 Julho 02+01:00 20162 02+01:00 Julho 02+01:00 2016 / Cássio Serafim / 10 Comentários

Ah, tu achas que fui grosseiro com ele? Sério que tu achas isto? Sinceramente, eu penso que não. Não me venhas acusar de nada, antes de saber os detalhes do evento. E tu duvidas de que foi um evento? Tu não estavas naquela sala, com aquele homem totalmente estranho para mim. Quem era? Ah, tu queres saber quem ele era? Eu lá sei. Sinceramente, eu não sei nada sobre ele. Ah, sei, sim, que ele era bem estranho.

Começou fazendo-me umas perguntas sobre a minha vida. Parecia bem curioso. Perguntou o que eu fazia, digo, com o que eu trabalhava. Eu disse que ensinava numa escola de idiomas. Quis saber, então, desde quando eu exercia a profissão. A minha idade também. Ora, como a pessoa pergunta a idade num primeiro encontro? Aí é demais. Brincadeirinha boba minha, mas ele já deveria ter esta informação. Depois, ele veio com umas questões descabidas. Sim, na minha opinião, bem descabidas.

Ele queria saber da minha intimidade. O quê? Tu nem imaginas? Adivinha. Ele quis saber se eu tinha uma vida sexual ativa. Ah, achei bem estranho isto. Se ele estava interessado? Ah, eu não sei, mas que ele insistiu nisto ele bem que insistiu. Perguntou se eu morava sozinho? Se morava com a minha família? E eu bem que achei estranho. Tentei subterfúgios para não responder, mas sem êxito. Eu, por fim, respondi assim: “Ativo, passivo, participativo! Sou solteiro e bem versátil.” Acho que ele se assustou. O que tu estás dizendo? Não penses que eu estava me oferecendo. Ah, não me venhas com as as conclusões precipitadas. É claro que eu não estou pulando a cerca. Isto aconteceu há alguns anos. Agora é a história é outra: tu sabes que estou comprometido. Ele deveria estar interessado no meu estado civil. Mas, então, por que não foi direto ao ponto? Era só perguntar se eu era solteiro. Mas não. Ele não fez isto. Preferiu saber se eu era ativo… sexualmente falando.

Deixa-me continuar… Eu estou sendo sincero. Tu não acreditas em mim? É sempre assim: eu conto o que acontece comigo e, em seguida, tu vens dizer que é mentira. Tudo bem, não é sempre, mas é quase sempre que tu me julgas equivocadamente. Então, queres que eu te conte a história?

Naquela tarde, ao sair de casa, a minha grande expectativa era a de encontrar alguém minimamente atencioso e que me pudesse ajudar. E, assim, eu fui direto aonde eu presumia que encontrasse esse alguém. No entanto, não foi bem isto o que sucedeu.

Eu estava apreensivo já há alguns dias, pois eu sentia dores na lombar, nas pernas e em algumas articulações. E não creio que essas dores tivessem relação com a minha vida sexual. Por isto, considerei algumas perguntas inoportunas.

Aquela tarde não começou bem, desde o momento em que me dirigi à recepcionista e solicitei uma consulta com o doutor Silva. Ela disse que ele não se encontrava, mas que havia outro no seu lugar. Eu não gostei nada daquilo. Ora, por quê? Porque eu já estava acostumado com doutor Silva, que sempre me ouvia, examinava, diagnosticava e, se fosse o caso, medicava adequadamente. Então, não havia motivos para eu mudar de médico.

Mas, naquela situação, fazer o quê, né?! Você voltaria para casa, sentindo dores? Ao menos, não seria nada recomendável. Eu, então, resolvi ficar e tentar, mesmo não gostando de encontros às cegas. Ah, por favor, não me entendas mal, mas, para mim, uma consulta médica é como escancarar a sua vida para outra pessoa. E essa outra pessoa detém muitos poderes, pois toma decisões cruciais para manter a nossa vida ou, dependendo da situação, para agilizar a nossa morte. Como eu desconhecia o médico novo, eu considerava aquele um encontro às cegas.

Bem, lá estava eu esperando a minha vez, que quase não chegava. Em geral, é assim que acontece: dez, vinte, trinta minutos… às vezes, uma hora de espera para pouquíssimos minutos de consulta.

A vez chegou. Entrei. Aquelas perguntas de que te falei. As respostas que eu dei. Parecia que o doutor que nem o nome eu sei não estava nem aí para as minhas dores. Achei que ele não demorou nem dez minutos para decidir sobre o que eu deveria tomar. Entregou-me um folha. Era a prescrição médica. Eu olhei-a. Não entendi nada do que estava escrito. Então, eu pedi para ele me explicar o que estava escrito ali. Ele olhou para mim e disse: “Eu não tenho todo o tempo para você.”

Depois de escutar aquilo, o que é que tu pensas? Que eu deveria ficar caladinho e ir direto à farmácia, onde, segundo o mesmo doutor, um profissional saberia ler a sua letra? Eu só me levantei da cadeira e dirigi-lhe a seguinte questão: “Quem lhe disse que eu quero todo o seu tempo?” Retirei-me da sala e retornei à recepcionista, a quem fiz queixa.

No outro dia, lá estava eu de novo. Para quê? Por que eu voltei lá? Lembra-te de que preenchi uma reclamação contra o médico? A recepcionista comunicou-a ao dono da clínica. Ah, tá, tu estavas lá? Não, mas pensas que retornei a fim de brigar com o dono da clínica ou com a clínica toda, né isto? Por favor, tu deverias saber que odeio confusão. Não rias, pois é verdade.

Tu não crês? Foi o próprio dono que solicitou a recepcionista para contactar-me. O que ele queria? Ah, ele também era médico e pretendia compensar o fiasco da consulta do dia anterior. E o doutor Silva? Continuava ausente. Eu sei que era outro encontro às cegas, mas o que eu poderia fazer? As dores persistiam. Se correu tudo bem dessa vez? E as perguntas que esse me fez? Ah, ficaste curioso, hein?! Mas, aí, vai ficar para a próxima. Vou ter de ir agora, pois tenho consulta marcada.

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