Hoje estive a conversar com o meu gato, o Piloto, a tentar explicar-lhe que, afinal, o seu pai não era Ronaldo. Ele, como o faz comumente, olhou-me com um ar esfíngico e como se me dissesse: “Haja paciência!” — compreendi. Então, para quebrar o gelo, disse-lhe: “Afinal, o pai é o mesmo. O que muda é o nome.”
Há coisa de dois dias, consegui entregar o Ronaldo para a esterilização. Era uma meta já de longa data. Nunca soube como ele chegou ao pátio. De início, pensei que tivesse dono, mas vivia sempre por aí, aqui e acolá. Então, cheguei à conclusão de que, mesmo que um dia tivesse havido, atualmente um dono já não existia, pois Ronaldo vivia como gato vadio.
Vadio de facto Ronaldo era. Espero que isto venha a mudar dentro de poucos dias. Estava sempre no cio e sempre disposto a fornicar e sempre fértil. Fecundou a Georgina pela primeira vez, tiveram três, pela segunda vez, tiveram seis, e, pela terceira vez, tiveram cinco. Contabilizando: Ronaldo + Georgina + 3 + 6 + 5 = 16.
Sim, uma família de dezesseis membros e membras, que estava a crescer, a multiplicar-se quase como coelho. Ronaldo não respeitava mãe nem filha. Espero que isto mude. Da segunda cria, havia uma fêmea linda, uma tartaruga, uma tricolor padrão, à qual o Ronaldo não resistiu. Um caso de pedofilia fora da igreja, mas mesmo no ceio da instituição família. Um caso de incesto. O pai fê-lo quando a mãe estava a cuidar dos últimos cinco filhotes, ainda recém-nascidos. A filhota tartaruga, violada pelo pai, foi emprenhada e transportava para lá e cá quatro pequenitos dentro de si.
A família, a colónia cresceria. Seriam vinte, se não fossem os raptos e o aborto forçado. Dos dois primeiros partos quatro filhotes foram raptados, digo, adotados. Ainda bem que o foram! Mesmo que eu tenha sofrido, hoje compreendo melhor a situação e apenas torço para que estejam bem, assim como está o meu filhote, um dos primeiros rebentos do casal. E recentemente a filhota tricolor foi forçada ao aborto e à esterilização.
Depois dos infortúnios e dos fortúnios, a colónia reunia onze. Estava a caminho dos quinze, mas a captura da gatinha tricolor impediu que esta fosse mãe e sofresse as agruras de viver ao léu e sem um cuidador humano responsável. Já eram onze gatos na colónia do Ronaldo e da Georgina. Ainda hoje, dois faltam ser capturados para a esterilização e a desparasitação necessárias.
A operação de controlo da colónia de gatos do pátio já veio tarde, mas poderia ter sido mais tarde e, portanto, pior. Então, mais vale tarde do que nunca. A operação foi posta em prática há poucos dias e está a surtir efeito positivo. Os gatos estão a receber atenção. A colónia está a reduzir-se, digo, a descentralizar-se e — espero eu — a encontrar possibilidades de uma vida digna. A Georgina merece uma vida melhor para si e os seus! Foi para uma associação com os cinco recém-nascidos, que já podem ser adotados por pessoas humanas. Eles merecem.
A tricolor é agora uma mocinha esterilizada e com chip. Daqui a alguns dias, voltará para o pátio e ficará sob os cuidados de uma vizinha. Um bonitinho preto com branco também voltará para o pátio. Espero que, junto com dois restantes, consiga ser adotado por alguém. Ainda me preocupo com a Georgina, mas tranquiliza-me saber que está numa quinta, aos cuidados de gente honesta e humana.
Ronaldo, o emprenhador do pátio, talvez tenha sido a maior surpresa desta operação. Hoje, depois de dois dias que consegui entregá-lo para a esterilização, depois de dias e mais dias a limpar a sua urina ativa e fedorenta, pois nestes dias se encontrava no seu estado natural, no seu cio eterno, a violar a Georgina, a coitadinha, mesmo quando esta se esforçava para nutrir-se para nutrir a prole… Hoje, apareceu o dono do Ronaldo. Sim! O dono! Hum, hum, hum… irresponsável. Veio a dizer que, sim, o gato era seu e que, não, o gato não se chamava Ronaldo, mas, sim, Félix.

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Fiquei confuso. E perguntei-me o que fazer depois de um ano a tratar o Ronaldo por Ronaldo, a dizer ao meu filhote e à Georgina isso e aquilo sobre o Ronaldo, a sofrer com a Georgina a ausência do Ronaldo ou à sua indiferença. Agora, vem-me um homem da rua ao lado a dizer que o Ronaldo já era seu, Félix já tinha dono. E agora?
O tal dono do Ronaldo… Ops, tenho-me de acostumar com o novo gato no corpo do antigo. O tal dono do Félix somente se deu conta do sumiço do gato depois de as filhas pressionarem o pai a procurá-lo na vizinhança. Hum, hum… irresponsável. Mas o importante é que, daqui a alguns dias, Ronaldo voltará para a zona. Voltará Félix, com chip em nome do tal senhor, esterilizado, desparasitado.
E o meu Piloto continua a olhar-me com um ar esfíngico. Talvez me queira dizer que nem Ronaldo nem Félix, pois, afinal, o pai tem um nome na linguagem dos felinos. E como não vou mesmo perceber, ele nem se dá o trabalho de dizer-mo.