_ Alô? Mãe, a bênção?
_ Oi, meu filho. Deus te abençoe.
_ Mãe, tudo bem por aí?
_ Não, seu avô passou mal de novo e voltou pro hospital.
_ Sério? E quando foi isso?
_ Ontem, à noite. Foi por pouco… Ficamos todos preocupados, mas ainda bem que chamaram a Samu rápido. E Carlinhos e Cristiane aplicaram os primeiros socorros. Carla e Miriam chegaram a tempo e também ajudaram. E… E… E…
_ Que bom que havia bastante gente pra ajudar, né?!
_ Sim, meu filho. Mas foi agoniante ver seu avô daquele jeito.
_ E papai? Como está?
_ Você sabe como ele está. Ele e os irmãos estão sofrendo por ver o pai assim. A pressão de seu pai subiu na hora. Ficou 18 por 10. E o teimoso não queria nem tomar o remédio.
_ Mãe, pergunte a papai se ele quer morrer também. Ah, pergunte se ele quer morrer antes de vovô. Porque eu acho que vovô ainda durará uns bons dias.
_ Menino, pare de ser bruto. Não tem pra quê isso. Os meninos conversaram com ele e, por fim, ele tomou o remédio direito. Cristiane e Carla verificaram a pressão também.
_ Mãe, eu pensava que eu só estava preocupado e sendo um filho cuidadoso, porque, se papai está com a pressão alta, altíssima na verdade, e se nega a tomar a medicação, então, não vejo motivo para brincar. A minha pergunta é apenas uma técnica de terapia psicológica traumatizante. Oh, tome; senão, morre. Tudo para o bem dele.
_ Você poderia ser menos bruto.
_ Tchau, mãe. Amanhã, eu ligo de novo. Beijo.
_ Beijo. E crie juízo.
mãe
De filha para mãe
– Mãe, pra que isso?
– Vou pra manifestação, filhota. Vamos lutar pelo Brasil. O povo precisa ser respeitado.
– Ih, quem não te conhece que te compre.
– Ei, o que é isso, menina? Me respeite.
– Mãe, noutro dia, um grupo de trabalhadores do shopping fez uma manifestação aqui na rua. A senhora lembra? A senhora lembra o que me disse sobre aquele protesto?
– Tanta coisa pra pensar… E, além do mais, faz tanto tempo.
– Engraçado, né, mãe!? Foi no mês passado. Mas, a senhora chamou a manifestação de baderna. Eles estavam lutando por justiça, por punição para a morte de um inocente. Eu lembro que até um canal de TV divulgou que um grupo de pessoas estava obstruindo o trânsito na área. O repórter caracterizou tudo como baderna, delinquência, sem nem apurar os fatos. Dizia que a rua foi obstruída, os clientes do shopping não podiam passar, os lucros do dia foram baixos, a economia sofreu com isso. Em nenhum momento, o repórter mencionou que aquelas pessoas protestavam por justiça, porque um inocente que chegava para trabalhar foi atropelado por um dos clientes ansiosos por satisfazer o seu consumismo, talvez para comprar um sanduíche naquela lanchonete famosa que fica dentro do shopping.
– Minha filha, e não foi isso mesmo que aconteceu? Uma cliente daqui, da loja, quase não conseguiu estacionar. E eu quase perdi de lucrar naquele dia.
– Mãe, a senhora se preocupa mais com o lucro do que com a vida de um indivíduo que faz parte do mesmo povo pelo qual, há pouco, a senhora dizia lutar.
– Meu amor, desculpe, mas o que tem a ver a morte daquele pobre rapaz com a minha manifestação? Aquilo foi acidente. Só um acidente. Quem pode prever quando acidentes acontecerão?
– Mãe, engraçado, a manifestação do pobre é vista como baderna, vandalismo, coisa de marginal, mesmo quando defende a vida de alguém. Agora, mãe, essa classe que não faz média para defender seus privilégios diz que luta por democracia. Diz que luta para o filho do pobre ter o mesmo direito que o filho do rico. Ai, ai, ai… Mãe, essa manifestação já vem com pacote e tudo. E, dentro desse pacote, faz parte manter o privilégio dos ricos de nunca serem povo. A senhora, mãezinha, nunca quis ser povo, nunca quererá. A senhora vai se manifestar, na verdade, só para manter o povo sempre povo, sempre nada, sem direitos, para o povo ser mais povo, ou seja, mais pobre. É isto que a senhora quer.
– Me respeite. Eu sou sua mãe. Que agressividade!
– Tá bom, mãe. Vá lá pro seu carnaval fora de época. Divirta-se!