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Etiqueta: #mariellevive
fome (IV)
tenho os ossos a aleijar-me a alma
a cada contração involuntária
resultante da ação do suco gástrico,
que, na ausência de alimentos,
digere as paredes do meu cérebro
e corrói os meus passos,
que não desistem de seguir,
mesmo na fragilidade do hoje
e na consequente incerteza do amanhã.
arquejo, anelo, arfo…
— verbos antipoéticos para um peito débil —
receio sucumbir.
acotovelo a mesa e amparo a minha leveza desnutrida.
fome (III)
evito pôr o cotovelo sobre a mesa.
com os olhos descaídos, leio.
com os braços oscilantes, escrevo.
os ossos doem-me a carne da alma.
levanto-me.
caminho pra-lá-pra-cá
a penar.
um café cá, um café lá,
praquê o dinheiro dá.
termo do expediente.
da biblioteca à casa,
a carne que me resta
dói-me os ossos da alma,
quando caminho
para pensar.
os meus ossos contraem-se-me.
as minhas carnes doem-se-me.
a minha alma refreia-se-me.
energias e sentimentos remexem-se-me
em sorvedouro.
o olhar turvo.
os passos vagarosos.
o estômago grita.
fome (II)
escrevo,
canso.
leio,
canso.
paro.
evito os cotovelos sobre a escrivaninha.
é dura de mais.
levanto-me.
caminho pra-lá-pra-cá.
braços tiquetaqueiam lentos,
mas o tempo corre como o vento.
medo de pra casa voltar,
lá encontrar maria,
a bolacha
os ossos, os meus.
nem pra sopa dão.
as carnes, as minhas.
vixe, mainha,
nem pra canja.
da biblioteca à casa,
a carne aleija-me os ossos e a alma,
os ossos lanham-me a carne e a alma,
a alma faminta o destino titubeia.
fome (I)
evito pôr os cotovelos sobre a mesa de trabalho. escrevo, canso, paro.
braços pendulares tictaqueiam, mas o tempo… o tempo… os ossos doem-me a carne e a alma.
levanto-me. caminho pra-lá-pra-cá a pensar: o que me trouxe aqui?