_ Oi, pai, como andam as coisas por aí?
_ Está indo, mas é muita violência, como você sabe.
_ Que violência, pai?
_ A violência. O povo sendo assaltado a toda hora. Basta pôr os pés na calçada.
_ Pai? Pelo amor de Dadá, olhe os exageros.
_ Éééé… É assim mesmo, meu filho. Tem até menor de 12 anos armado, roubando carro.
_ Pai, e está assim? Desse jeito é? Crianças de 12 anos andam armadas assaltando carros?
_ Meu filho, lá vem você. Eu estou dizendo que um menor de 12 anos foi pego com arma. Pronto.
_ Ah, tá. Então, foi um caso, né?!
_ E o que foi que eu disse, Cássio?
_ O senhor falou de um jeito que dá a entender que as crianças de 12 anos andam portando arma de fogo e assaltando. Desculpe-me, mas é o problema da generalização. Veja que, por essas e outras, estão induzindo a aprovação da redução da maioridade penal.
_ E não é pra aprovar não?
_ Não. Reduzir maioridade penal não resolve problemas sociais que são criados também por essas falas “inocentes” sobre a insegurança pública.
_ Então, o que vão fazer se estão roubando?
_ Pai, quem está roubando? O senhor está roubando?
_ Lá vem você. Que história é essa, rapaz?
_ Pai, o senhor fala de um jeito e não presta a devida atenção. É facto que todas as pessoas, inclusive as crianças, roubam aí? É isto o que o senhor quer me dizer?
_ Não, meu filho.
_ Então, pai, veja o perigo da generalização. Imagine que o senhor é avô e os seus netos terão 12 anos um dia. Quando alcançarem os 12, ambos estarão roubando? Sinceramente, eu espero que não.
_ Bote essa boca pra lá, rapaz. Lá vem você.
_ Então, pai, essas falas nada ajudam, só pioram as nossas vidas. Quem ganha com essa ideia de que a violência está por todos os lados? Não somos nós. São alguns grupos privilegiados, pois, em torno dessa ideia e da disseminação de uma violência para além daquela que é real, gera-se toda uma cadeia de práticas: segurança privada, notícias jornalísticas, apólices disso e daquilo… e, pior, a discriminação e violência contra aqueles que, preconceituosamente, são julgados como agentes da violência. Ou seja, pai, racismo e classismo juntos contra principalmente a população pobre e negra. Ah, e ainda moramos no Bom Jardim, um bairro com má fama, concorda? Então, quem sofrerá os efeitos dessas generalizações?
_ Tá bom, tá bom… Eu só falava da violência em Mossoró.
_ Eu sei, pai, mas violência há em todos os lugares. Imagine se eu ficar o tempo todo dizendo ao senhor a violência que ocorre aqui. Uma amiga foi assaltada em Roma, um amigo foi furtado em Lisboa, outro caiu do penhasco ao tirar uma selfie, outra foi estuprada nas ruas de Coimbra, outra perdeu câmera fotográfica e outros pertences perto de onde eu morava, uma amiga com doutorado e sem emprego… Ah, e há as bombas terroristas que caem aqui e são bem propagandeadas aí, no Brasil, pelos meios de comunicação.
_ Tá bom, homem. Aff…
_ O senhor imagina já o efeito dessas histórias?
_ Vou chamar sua mãe pra falar com você.
_ O senhor não quer mais falar comigo?
_ Francineide, venha. É Cássio.
_ Pai, é só porque eu tenho medo de generalizações. Quando falam mal de homossexuais, o senhor me engloba, então? Digo, se um homem gay matasse alguém, o senhor acha que eu também mataria, já que sou gay?
_ Francineide, venha logo. Francineide? Venha. É Cássio.
_ Pai? Está escutando?
_ Lá vem sua mãe. Tchau, meu filho.
pai
O filho bruto
_ Alô? Mãe, a bênção?
_ Oi, meu filho. Deus te abençoe.
_ Mãe, tudo bem por aí?
_ Não, seu avô passou mal de novo e voltou pro hospital.
_ Sério? E quando foi isso?
_ Ontem, à noite. Foi por pouco… Ficamos todos preocupados, mas ainda bem que chamaram a Samu rápido. E Carlinhos e Cristiane aplicaram os primeiros socorros. Carla e Miriam chegaram a tempo e também ajudaram. E… E… E…
_ Que bom que havia bastante gente pra ajudar, né?!
_ Sim, meu filho. Mas foi agoniante ver seu avô daquele jeito.
_ E papai? Como está?
_ Você sabe como ele está. Ele e os irmãos estão sofrendo por ver o pai assim. A pressão de seu pai subiu na hora. Ficou 18 por 10. E o teimoso não queria nem tomar o remédio.
_ Mãe, pergunte a papai se ele quer morrer também. Ah, pergunte se ele quer morrer antes de vovô. Porque eu acho que vovô ainda durará uns bons dias.
_ Menino, pare de ser bruto. Não tem pra quê isso. Os meninos conversaram com ele e, por fim, ele tomou o remédio direito. Cristiane e Carla verificaram a pressão também.
_ Mãe, eu pensava que eu só estava preocupado e sendo um filho cuidadoso, porque, se papai está com a pressão alta, altíssima na verdade, e se nega a tomar a medicação, então, não vejo motivo para brincar. A minha pergunta é apenas uma técnica de terapia psicológica traumatizante. Oh, tome; senão, morre. Tudo para o bem dele.
_ Você poderia ser menos bruto.
_ Tchau, mãe. Amanhã, eu ligo de novo. Beijo.
_ Beijo. E crie juízo.